(16) 3826-3000
(16) 9.9995-9011
Home / Política / O ‘mais bolsonarista’ dos chefes militares virou a maior pedra no sapato dos acusados do golpe

O ‘mais bolsonarista’ dos chefes militares virou a maior pedra no sapato dos acusados do golpe

De adepto de primeira hora de Bolsonaro e incensado pelos filhos do ex-presidente, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior não só se dissociou do golpe, mas fez o que quase ninguém fez: contou o que sabe

Era 12 de julho de 2019 quando o Estado-Maior do Exército baixou normas sobre o uso de redes sociais pelos militares da ativa. As manifestações e as contas se haviam multiplicado, com oficiais superiores e generais aplaudindo o governo de Jair Bolsonaro e criticando a oposição. Até sargentos participavam de lives com “reivindicações”. E entre um dos mais ativos influencers estava um brigadeiro: Carlos de Almeida Baptista Junior, então chefe de operações conjuntas do Ministério da Defesa.

O brigadeiro abrira uma conta no antigo Twitter em janeiro de 2019. Ele despertava entusiasmo no entourage de Bolsonaro pela sua adesão ao governo, principalmente entre o grupo que gravitava em torno do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Não era para menos. Em seis meses de atividade frenética na rede social, o brigadeiro – um militar da ativa – publicara 42 tuítes marcadamente políticos, o que fez dele o recordista entre 20 contas mantidas por militares analisadas pelo Estadão.

Havia ali de tudo, desde o compartilhamento de publicações de deputados governistas, do presidente Bolsonaro e até do blogueiro Allan dos Santos. Havia ainda críticas a jornalistas profissionais, acusados de ignorância ou esquerdismo, e a qualquer um que ousasse criticar o então presidente. Em 1º de fevereiro, ele tuitara: “Para que o governo de @jairbolsonaro lidere a reconstrução do #Brasil, um novo #Congresso deverá ser instalado amanhã, sem os vícios da velha política. Acreditamos em vocês.” E marcou na mensagem: “#Senado#Camara @CarlosBolsonaro @planalto #OPovoNoPoder“.

Enquanto o Forte Apache tentava coibir as manifestações públicas mais nefastas da contaminação política que tomou conta dos quartéis naquele período, o brigadeiro prosseguia com suas publicações. O que o Exército procurava deter era um movimento cujo impulso decisivo havia sido o tuíte do general Villas Bôas, então comandante da Força, de 3 de abril de 2018, por meio do qual ele pressionou o STF contra a concessão de habeas corpus à Lula, então condenado no âmbito da Operação Lava Jato.

Se o chefe podia fazer, os demais sentiram-se livres a seguir seu caminho. Mesmo depois da medida, uma análise feita nas contas do então Twitter de militares seguidas por Villas Bôas e nas destes oficiais encontrou 115 integrantes da ativa que fizeram 3.427 tuítes de caráter político-partidário entre abril de 2018 e abril de 2020. As publicações estavam nos perfis mantidos por 82 integrantes das Forças Armadas, entre os quais 23 oficiais-generais – 19 generais, dois almirantes e dois brigadeiros. E lá estava mais uma vez Baptista Junior.

Em 2021, durante a crise que derrubou ao mesmo tempo os comandantes das três Forças, o pai do brigadeiro, o ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista confidenciou ao coronel Lúcio Wandeck que o filho seria o novo chefe da Aeronáutica. Era natural. Desde a campanha eleitoral de 2018, o velho Baptista criara relações com Bolsonaro, sugerindo, inclusive, a recriação do Serviço Nacional de Informações (SNI).

O homem que comandara a FAB durante o governo de Fernando Henrique Cardoso pensava que a recriação do órgão, um dos símbolos do poder discricionário dos militares durante a ditadura, poderia ajudar a combater a praga da corrupção. Bolsonaro evitou se comprometer com a medida. E o desenrolar de seu governo certamente explicou que isso se devia não em razão de compromisso com a legalidade e a democracia…

Já comandante da Aeronáutica, Baptista Junior foi surpreendido por uma publicação da deputada ultrabolsonarista Bia Kicis (PL-DF), que revelou ter tido o brigadeiro como seu eleitor. Era possível que o brigadeiro tivesse sido vítima de uma indiscrição da deputada, que tornara pública uma conversa reservada de forma inadvertida. Coisas de internet. Mas como a parlamentar é neta do general Samuel Kicis, a etiqueta militar não lhe devia ser estranha.

O brigadeiro, tudo indicava até então, parecia um ator da politização dos quartéis, sem se importar com os riscos que isso trazia aos países. O Brasil se aproximaria de uma nova fase como a descrita pelo brigadeiro José Rebelo Meira de Vasconcelos, quando a Força Aérea esteve profundamente dividida nos anos 1950. Com 93 missões de combate na 2.ª Guerra Mundial, Meira afirmava: “Eu acho que devia ser lei: militar não pode ser político, porque não se coaduna; você jura uma coisa e aí você faz outra?”

O homem que comandara a FAB durante o governo de Fernando Henrique Cardoso pensava que a recriação do órgão, um dos símbolos do poder discricionário dos militares durante a ditadura, poderia ajudar a combater a praga da corrupção. Bolsonaro evitou se comprometer com a medida. E o desenrolar de seu governo certamente explicou que isso se devia não em razão de compromisso com a legalidade e a democracia…

Já comandante da Aeronáutica, Baptista Junior foi surpreendido por uma publicação da deputada ultrabolsonarista Bia Kicis (PL-DF), que revelou ter tido o brigadeiro como seu eleitor. Era possível que o brigadeiro tivesse sido vítima de uma indiscrição da deputada, que tornara pública uma conversa reservada de forma inadvertida. Coisas de internet. Mas como a parlamentar é neta do general Samuel Kicis, a etiqueta militar não lhe devia ser estranha.

O brigadeiro, tudo indicava até então, parecia um ator da politização dos quartéis, sem se importar com os riscos que isso trazia aos países. O Brasil se aproximaria de uma nova fase como a descrita pelo brigadeiro José Rebelo Meira de Vasconcelos, quando a Força Aérea esteve profundamente dividida nos anos 1950. Com 93 missões de combate na 2.ª Guerra Mundial, Meira afirmava: “Eu acho que devia ser lei: militar não pode ser político, porque não se coaduna; você jura uma coisa e aí você faz outra?”

A vida no governo foi tornando as coisas mais claras para Baptista Junior. As bandeiras de moralização da vida pública foram deixadas de lado. Escândalos se sucediam com a mesma velocidade que Bolsonaro alienava aliados e se lançava nos braços do Centrão: da rachadinha, aos pastores das barras de ouro da Educação, tudo parecia se resumir às ambições pessoais desmedidas de pessoas desqualificadas para as funções.

Foi em julho de 2022, quando viu que se avolumavam as ações do governo para tentar deslegitimar o processo eleitoral, colocando em dúvida a lisura não só das urnas eletrônicas, mas buscando por todos os meios uma falsa saída legal para a derrota que se avizinhava que o brigadeiro se lembrou de Huntington e decidiu que não seria cúmplice do pior dos crimes da República: a aspiração à tirania.

Baptista Júnior se convenceu que o maior serviço que os militares podem prestar ao País é permanecer fiéis a si mesmos, em silêncio e com coragem, à maneira militar. Diante das investidas de Bolsonaro e de seus generais palacianos contra as urnas eletrônicas, ele sabia que teria de em breve estar diante de uma hora adversa, aquela que define como cada um será conhecido na história. Esse momento chegou.

Primeiro, quando o brigadeiro disse ao general Augusto Heleno, em um voo para Brasília: “Eu e a Força Aérea, por unanimidade do Alto-Comando da Aeronáutica, não vamos apoiar qualquer ruptura neste País. Se alguém for bancar isso, saiba quais são as consequências.” Não só.

Ele repetiu o mesmo para o presidente Bolsonaro. “Eu falei com o presidente Bolsonaro: aconteça o que acontecer, no dia 1º de janeiro o senhor não será presidente.” E foi enfático com o então ministro da defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, que buscou lhe entregar a cópia de um plano para golpe.

O brigadeiro perguntou se o documento estabelecia a “não assunção do 1.º de janeiro do presidente eleito”. Diante do silêncio do ministro, o brigadeiro disse: “Não admito sequer receber esse documento, não ficaria aqui.” Contou que levantou de mesa e saiu da sala. Naquela guerra, ele não perdeu de vista, como disse, o objetivo político.

Atraiu para si e para sua família, a fúria dos golpistas. “Senta o pau no Batista Júnior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado nas mordomias, negociando favores. Traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu o general Braga Netto para um dos conspiradores em mensagem obtida pela PF.

Isso é o que todos já sabem em razão do depoimento do brigadeiro no STF. O que poucos sabem é que Baptista Junior agiu para evitar o golpe. E não foi apenas batendo a porta da FAB na cara dos golpistas. O militar é apontado como a origem do vazamento da nota conjunta dos Comandantes antes de ele ser publicada, nas qual as três Forças condenavam manifestações e restrições de direitos.

Foi ele ainda, segundo a coluna apurou, o responsável por vazar a informação de que os comandantes das Forças pretendiam entregar os cargos antes do fim do governo Bolsonaro para não se submeterem, ainda que brevemente, ao governo Lula. O vazamento acabou frustrando a iniciativa, que tinha no almirante Almir Garnier, comandante da Marinha, o principal defensor.

Baptista Júnior havia então convivido tempo demais no governo para entender o que estava por trás de toda aquela azáfama, conforme escreveu em 2024, em suas redes sociais, após a Operação Tempus Veritatis, da PF: “‘A ambição derrota o caráter dos fracos. Aliás, revela’. Já tendo passado dos 60 anos, não tenho mais o direito de me iludir com o ser humano, nem mesmo aqueles que julgava amigos e foram derrotados pelas suas ambições.”

Publicidade

Quando foi chamado a depor pela PF e, depois, pelo STF, o brigadeiro não cedera um milímetro sobre suas convicções políticas e pessoais. Ao contrário de outros militares ouvidos como testemunhas, não escondeu o que sabia, mesmo que isso significasse romper a barreira da caserna e apresentar ao mundo civil as vísceras de quem alardeia princípios para submetê-los, em seguida, às conveniências das relações pessoais.

O brigadeiro é um homem corajoso. Não foi ele quem mudou, mas as pessoas que ele apoiava que revelaram, segundo a procuradoria, um caráter reprovável. Na hora adversa, apesar de seu passado nas redes sociais, Baptista Junior não esqueceu o que Huntington escreveu em O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação.” Foi nisso que o brigadeiro Meira acreditou até o fim.

Foto do autor
Análise por Marcelo Godoy

Repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero.

Esta notícia foi lida 81 vezes!

Autor redacao

Deixe uma Resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios são marcados *

*


Popups Powered By : XYZScripts.com