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Como nasce um penduricalho? Ação de Poderes garante privilégios de bilhões à elite do funcionalismo

O Estado de SP

Por Daniel Weterman
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que representa os juízes do Brasil, aprovou em 2011 uma resolução dizendo que todos os magistrados, procuradores e promotores têm direito aos mesmos benefícios e vantagens no salário. O que era para ser uma norma de simetria e equilíbrio entre as categorias abriu caminho para a criação de “penduricalhos” no serviço público. Além disso, é exemplo de como nasce esse tipo de privilégio na elite do funcionalismo.

Quatro anos depois da resolução, o Congresso aprovou uma lei criando um benefício específico para juízes federais que trabalham em mais de uma comarca ou acumulam muitos processos. O projeto foi sancionado pela então presidente Dilma Rousseff em 2015. Em 2020, o CNJ ampliou o pagamento para juízes estaduais. Até então, esse valor ficava dentro do teto constitucional, que determina que nenhum servidor público pode receber mais do que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). O que passa do teto é descontado.

Em 2022, foi a vez dos promotores e procuradores terem acesso ao benefício. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) recomendou que os membros da categoria tivessem acesso à gratificação, mas sem vincular o recurso ao teto. Em janeiro do ano passado, o conselho regulamentou a gratificação, com uma adaptação: ela passou a ser paga para compensar dias de folga não tirados, se transformando em “licença compensatória”. O novo penduricalho foi aprovado em 1 minuto e 17 segundos, conforme mostrou o Estadão. Tudo ficou fora do teto, fazendo com que o benefício se transformasse em mais um “penduricalho” para aumentar os salários. Procurado pelo Estadão, o CNMP não respondeu o contato até a publicação desta reportagem.

Vendo a manobra dos promotores, o CNJ entendeu que os juízes ficaram em desvantagem. Afinal, tinham os salários descontados por causa do teto. O Conselho, então, aprovou outra resolução em outubro de 2023, ampliando o pagamento fora do teto para todos os juízes do País. Foi um efeito cascata no “penduricalho”, sacramentando a dobradinha entre Judiciário e Ministério Público, considerados hoje “elite” do funcionalismo público. O benefício varia conforme o acúmulo de processos e pode representar, em um único mês, R$ 40 mil a mais no salário de um magistrado. Fora a lei de 2015, tudo foi aprovado pelas próprias categorias, por meio de decisões internas, sem discussão no Congresso.

“Se não fosse com recursos públicos, seria uma brincadeira de criança”, afirma a diretora de programas da ONG Transparência Brasil, Marina Atoji, ao falar da ampliação do benefício. De acordo com ela, a gratificação é um exemplo de como um privilégio nasce no serviço público: começa de um jeito e é ampliado de outro até ser desvirtuado. “O que se tem agora é que existe uma elite do funcionalismo. É urgente fazer uma discussão sobre a legalidade e a constitucionalidade desses benefícios, especialmente os que são criados para um grupo por uma lei e depois e ampliados por meio de resoluções e respostas a consultas, à margem da legislação.”

Os benefícios pagos a juízes e promotores somaram R$ 9,3 bilhões em 2023, de acordo com levantamento da Transparência Brasil. A título de comparação, é mais do que o governo gasta o ano inteiro com meio ambiente. Não entram na conta apenas os penduricalhos, mas todas as vantagens, como auxílio-moradia, adicional de férias, licenças compensatórias e a gratificação por acúmulo de serviço. A criação de novos benefícios aumenta, ano a ano, os gastos com funcionários públicos e o salário médio das categorias.

Dentro do serviço público, o Judiciário é privilegiado. Um integrante do Judiciário recebia, em média, R$ 8,9 mil por mês em 1985, em valores atuais. Em 2021, o valor saltou para R$ 16 mil, mais que o dobro do que um funcionário do Legislativo (R$ 7,3 mil) ou do Executivo (R$ 4,5 mil), segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Esse e outros privilégios surgiram como compensação às mudanças no auxílio-moradia, que ficou mais rígido. Em 2018, o pagamento começou a ser feito apenas para juízes que atuam fora da comarca de origem, que não tenham casa própria no novo local ou residência oficial à disposição. O CNJ defende a ampliação da gratificação, citando a equiparação entre juízes e integrantes do Ministério Público como cumprimento da Constituição e da resolução de 2011. “Do valor total destinado a recursos humanos que envolve pagamento de subsídios e remunerações de magistrados e servidores, apenas 8,2% são referentes ao pagamento de benefícios (ex.: auxílio-alimentação, auxílio-saúde)”, disse o conselho ao Estadão.

Como mostrado pelo Estadão, as categorias ainda pressionam por mais benefícios que turbinem os salários no fim do mês. Os “penduricalhos” que estão na fila para serem aprovados podem ampliar os gastos com esse tipo de pagamento e a desigualdade de remuneração entre os Poderes.

Em nota, a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) afirmou que as resoluções do CNJ seguem o que está disposto na lei e que a remuneração dos juízes “é compatível com a relevância da função desempenhada e similar à de juízes de países que adotam um sistema de justiça semelhante ao nosso”. “Infelizmente, a correção do subsídio, que deveria ocorrer anualmente, conforme a Constituição, não tem conseguido sequer repor a inflação – o que resulta em um número cada vez maior de profissionais que deixam a carreira pública em busca de melhores oportunidades na iniciativa privada”, destacou a entidade.

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