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Até o fim, Preta Gil teve uma carreira de enfrentamento

Por Danilo Casaletti – O Estado de SP
O grande público tomou conhecimento da Preta Gil artista quando ela lançou seu primeiro álbum, Prêt-à Porter, em 2003. Preta aparecia nua na capa, envolta em fitinhas do Nosso Senhor do Bomfim. Era possível ver parte de seu dorso. No encarte do CD, uma foto mais ousada, também nua.
Foi o bastante para que Preta sofresse linchamento público. Não toleraram que uma mulher gorda mostrasse seu corpo daquela forma. E mais: como a filha de Gilberto Gil aparecia nua, em um disco? O que ela queria com aquilo?

Preta, então, teve que redimensionar suas ambições artísticas. Se pretendia ser uma cantora ‘certinha’ da MPB, teve que ir além. Entendeu que devia usar sua voz para combater o preconceito. Não à toa, a faixa de destaque do disco, Sinais de Fogo, uma composição de Ana Carolina e Totonho Villeroy, fez sucesso sobretudo entre o público LGBTQIA+. Foram eles que acolheram Preta e, em geral, foi para eles que ela resolveu falar dali para adiante.

Desenvolta, com gargalhada farta, Preta foi logo requisitada pela televisão. Fez novela e se virou apresentadora. Tornou-se participação fixa no popular Esquenta, programa apresentado por Regina Casé na TV Globo. Para o carnaval, criou o Bloco da Preta, um sucesso nas ruas do centro do Rio de Janeiro durante a folia.

Assumiu-se bissexual, mantinha-se alegre e dando opiniões sobre aquilo para o qual era requisitada. Não se calar ou se intimidar foi fundamental.

Em junho de 2023 estive com Preta Gil nos bastidores do Festival Turá, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Preta voltaria a se apresentar pela primeira vez depois do início de seu tratamento contra o câncer de intestino. Minutos antes de subir ao palco da turnê Nós, A Gente, que unia Gil e família, Preta atendeu o Estadão e a Folha de S. Paulo.

Auxiliada pela assessora de imprensa de longa data de Gil, Gilda Mattoso, Preta posou para as fotos. Parecia bem disposta, apesar de sorrir pouco para os fotógrafos. Gilda tinha pressa. Preta tinha paciência e boa vontade.

Na hora da entrevista, se manteve o tempo com os braços cruzados na altura da cintura. Dor ou insegurança? Preta não se queixou de nada. Fez questão de afirmar que voltar a se apresentar era, mais do que um desejo pessoal, uma recomendação médica:

“Fui liberada pelos médicos para fazer aos poucos, até mesmo por conta da emoção e das vulnerabilidades que eu ainda tenho”, disse a cantora, que naquele momento fazia sessões de radioterapia.

“Voltar aos palcos faz parte do meu processo de cura. Estou recebendo, assim como na radioterapia e quimioterapia, essa dose de cura. É uma prescrição médica: voltar ao palco, estar com a família”,

Quando subiu ao palco, Preta parecia renovada. Sorriu, enfim. Em um primeiro momento, conforme o roteiro do show, fez backing vocal acompanhada por uma de suas irmãs, Nara Gil, e com a cunhada Mariá Pinkusfeld. Em determinado momento, deixou o palco. Em outro, sentou-se em um banquinho. Quando foi chamada para fazer dois números solo, Sinais de Fogo e Vá se Benzer, foi ovacionada pela plateia.

Quando descobriu o câncer de intestino, em 2023, passou a ser uma importante voz contra a doença. Falou sobre a necessidade dos exames de rotina para prevenção ou diagnóstico precoce da doença.

O corpo antes criticado pelo nu e por estar fora de padrão agora servia para combater o estigma do uso definitivo de bolsa de colostomia. Preta posou de biquíni utilizando a bolsa e, mais, entrou no mar, assim que foi liberada pelos médicos, após uma longa internação – a última no Brasil, que terminou em janeiro de 2025 – para matar a vontade de sentir a água salgada do mar da Bahia.

Dias depois, foi internada por uma infecção urinária. Mais uma vez, foi julgada nas redes sociais. Apareceu em seu perfil para tranquilizar os fãs e dizer que infecções como aquelas são normais em pacientes com bolsa de colostomia.

Em uma de suas últimas aparições nas redes sociais, estava na cama, de pijama, e brincava com um trio de amigos de dublar uma canção que virou meme. Mais uma demonstração de força, como um exemplo para quem também enfrenta algo semelhante.

PublicidadeEntre canções, gargalhadas e opiniões, Preta deixou um legado de luta contra a intolerância e o preconceito. E, por fim, aos olhos de muitos, provou porque, por vezes, é tão importante ficar nu no Brasil.

 

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