Quem se entrega a Bolsonaro se emporcalha de golpismo e não ganha do ex-presidente nada além de desprezo. Mas Tarcísio tem alternativa: esconjurar Bolsonaro
O Teorema de Fermat levou mais de 300 anos para ser provado. Já o Teorema de Tarcísio foi bem mais simples: assim como um mais um é igual a dois, quem entrega a alma a Jair Bolsonaro, como fez o governador de São Paulo, vale zero para o ex-capitão e sua família. O corolário desse teorema é que Tarcísio de Freitas se encardiu de bolsonarismo e, em troca, recebeu dos Bolsonaros o mais absoluto desprezo. Não foi por falta de aviso: a lista dos traídos por Bolsonaro é extensa.
Tarcísio ficou no pior dos dois mundos: primeiro, saiu-se mal no teste de fé democrática ao apoiar o golpismo de Bolsonaro; depois, foi reprovado pelo bolsonarismo porque, após alguma hesitação, optou afinal pelo pragmatismo para lidar com a crise deflagrada pelo tarifaço americano contra produtos majoritariamente paulistas – tarifaço que resultou, em parte, do lobby de Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, junto ao governo de Donald Trump, como forma de pressionar o Judiciário brasileiro a desistir de prender seu pai.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Eduardo Bolsonaro acusou Tarcísio de tê-lo desrespeitado por abrir canais de diálogo com empresários paulistas e com o encarregado de negócios dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, para discutir a crise do tarifaço. “O Tarcísio tem que entender que o filho do presidente está nos Estados Unidos e tem acesso à Casa Branca”, disse Eduardo, deputado licenciado que se diz “exilado” no país. “Nós já provamos que somos mais efetivos até do que o próprio Itamaraty”, sapecou o pretensioso “Zero Três”.
Mais tarde, nas redes sociais, Eduardo acusou Tarcísio de manter uma “subserviência servil” (sic) ao que chamou de “elites”. Para a família Bolsonaro, qualquer ação que se afaste da defesa direta da impunidade para o ex-presidente e outros golpistas vale o mesmo que uma declaração de guerra. O fato de Tarcísio ter cumprido suas obrigações de governador de São Paulo é tido como ofensa pessoal. Chega a ser uma cruel ironia que essa humilhação pública a que o governador se submeteu tenha partido justamente de um desclassificado eleito deputado por São Paulo que jamais dedicou um dia sequer de seus mandatos para defender os eleitores paulistas. Caso a Câmara se veja livre de Eduardo, seja pela renúncia, seja pela cassação do mandato por excesso de faltas, como publicou a Coluna do Estadão, certamente o rapaz não fará falta.
A duras penas, Tarcísio recebeu uma das maiores lições de sua curta experiência como mandatário: ninguém se associa aos vândalos políticos do clã Bolsonaro impunemente. Todos os que ousaram discordar ou, pecado maior, disputar protagonismo com o ex-presidente nesse movimento que leva seu nome foram excomungados por Bolsonaro. De nada adiantou subir em palanques ao lado de Bolsonaro para dar peso a seus ataques contra as instituições republicanas. Tampouco teve qualquer serventia sua promessa de providenciar um vergonhoso indulto a Bolsonaro caso seja eleito presidente em 2026. Mesmo sendo o governador do Estado mais rico da Federação, Tarcísio levou um sabão público de um filho do ex-presidente porque resolveu lutar pelos interesses dos paulistas, e não pelos interesses de Jair Bolsonaro. O governador certamente poderia ter passado sem esse opróbrio.
A boa notícia, para Tarcísio, é que ainda há uma porta de saída honrosa aberta diante do governador paulista: esconjurar Bolsonaro, pública e peremptoriamente. Se acaso quiser prosseguir numa trajetória digna na política – independentemente dos cargos que venha a disputar no futuro –, Tarcísio e quaisquer outros identificados com o genuíno conservadorismo e a direita liberal têm de, necessariamente, trilhar caminho oposto ao de Bolsonaro.
O capital eleitoral de Bolsonaro não vale o sacrifício das convicções liberais no altar das conveniências políticas. Se Tarcísio de Freitas é um genuíno democrata, e não temos razões para duvidar disso, então ele não se importará de perder a próxima eleição se esse for o preço a pagar pela reafirmação dos mais caros valores da democracia brasileira.
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