Dizem que ninguém vence uma guerra comercial. Certamente, há poucos perdedores maiores do que os produtores de soja dos Estados Unidos. Desde maio, a China — de longe o maior cliente americano — se recusa a comprar sequer um grão de soja em retaliação às tarifas impostas por Donald Trump. A disputa está arruinando fazendeiros em Illinois; Trump deve anunciar um pacote de ajuda agrícola de US$ 10 bilhões.
A medida também está elevando os custos para as processadoras na província chinesa de Shandong, que transformam a soja em ração animal e óleo de cozinha. Mas há um grande vencedor: os produtores de soja do Brasil. A ruptura entre os agricultores americanos e seus clientes chineses consolidou o Brasil como a superpotência mundial da soja.
Não é a primeira vez que o Brasil lucra com os conflitos comerciais de Trump. O mesmo aconteceu quando ele elevou as tarifas sobre a China em seu primeiro mandato. A fatia do vasto mercado chinês de soja abastecida pelo Brasil saltou de cerca de metade, em 2017, para três quartos, em 2018.
Os preços caíram depois disso, mas, no rastro da invasão da Ucrânia pela Rússia, voltaram a subir para níveis próximos aos recordes. Os agricultores brasileiros correram para comprar terras e plantar soja, elevando os embarques para a Ásia e a Europa em 2023 a mais de 100 milhões de toneladas — um recorde. Esse boom de investimentos causou “uma espécie de ressaca”, diz Marcela Marini, do Rabobank, banco holandês especializado em financiamento agrícola.
A segunda guerra comercial de Trump é o antídoto perfeito. O embargo da China à soja americana criou um mercado de vendedores na América do Sul. O que seria um excedente de uma colheita farta se transformou em um estoque valorizado. As exportações brasileiras de soja devem alcançar 110 milhões de toneladas em 2025. Segundo dados do governo brasileiro, esse volume compensa integralmente as exportações perdidas por causa da tarifa de 50% imposta por Trump sobre produtos brasileiros como carne bovina e café.
É possível que a sorte do Brasil se esgote no fim de outubro, quando Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, devem se encontrar à margem da cúpula da Apec, na Coreia do Sul. Trump prometeu que “a soja será um dos principais temas de discussão”. Se o embargo for suspenso, as exportações americanas de soja para a China provavelmente ainda terão de pagar uma tarifa alta — atualmente de 23% sobre a soja dos EUA, contra apenas 3% sobre a brasileira.
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