(16) 3826-3000
(16) 9.9995-9011
Home / Brasil / Os EUA só querem seu ‘quintal’ de volta? Ou até a Amazônia está em risco? O que dizem os militares

Os EUA só querem seu ‘quintal’ de volta? Ou até a Amazônia está em risco? O que dizem os militares

 

Era 12 de abril quando o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Peter Hegseth, afirmou, ao se referir à América Latina: “Vamos recuperar o nosso quintal”. Seu raciocínio era de que as administrações anteriores haviam sido omissas em relação à região, permitindo que a China estabelecesse contratos e relações que ameaçam os EUA.

A frase não passou despercebida. Observadores das relações internacionais sentiram, de imediato, que o potencial da ventania, que nascia em Washington, dirigia-se ao Sul. O Panamá foi o primeiro país a senti-la e, depois, a Colômbia. No Brasil, como sempre, as elites, o governo e a oposição se comportaram como se a história não lhes dissesse respeito. Ninguém lhes disse o de te fabula narratur.

Como escreveu o historiador francês Marc Ferro, não há seguro contra a história. Ela pretende ser uma “ciência por rastros”, como uma vez formulou Marc Bloch, ao lidar com a memória e com o esquecimento. Quando acontece diante de todos, ela é presença. Os vestígios estavam à vista dos países: a irracionalidade da gestão americana, a polarização política, os abalos na aliança atlântica, o rearmamento da Europa, a humilhação de Zelenski e as ameaças à soberania do Canadá e da Dinamarca.

E o que dizer das taxas contra União Europeia, China, Japão, México, Canadá e África do Sul? Tudo dirigido para além dos muros do “quintal americano”. Não era o caso de governos e elites dos diversos países da América Latina terem se preparado para o dia em que Donald Trump voltasse seus olhos para o que seu governo considera ser o seu “quintal”? Por que diabos pensaram que isso não era com eles?

Em pouco mais de 15 dias, o governo americano impôs sanções à nossa economia em razão do destino da família Bolsonaro, chantageando o Poder Judiciário, o empresariado e os trabalhadores do País, agindo como se buscasse o pizzo, a taxa de proteção cobrada pelas máfias. Ou o comerciante paga, ou o fogo destrói seu negócio. Ou se contrata o apadrinhado do mafioso ou não se estará em segurança.

Um ponto, no entanto, chamou a atenção de observadores militares consultados pela coluna: o fato de Trump, que nunca tomou a pauta ambiental para si, ter usado como argumento para suas sanções o desmatamento ilegal da Amazônia. Por qual motivo um presidente que retirou seu país do Acordo de Paris, defensor dos combustíveis fósseis e cujos apoiadores não acreditam no aquecimento global resolveu defender a Amazônia?

A carta de Trump, que citou a questão ambiental entre os motivos para as sanções contra o Brasil, não passou despercebida no Forte Apache, o Quartel General do Exército. “Não é a bandeira dele (Trump)”, disse um general. O atual cenário caótico, causado pela ausência de racionalidade, seria como se as discussões estivessem “vedadas aos adultos da sala”. O general alertou: se a soberania da Amazônia for ameaçada, será “a morte da estratégia bolsonarista”.

Bolsonaro e seu filho Eduardo são acusados de usar o governo americano para obstruir a Justiça no Brasil. Na visão deles, a estratégia serviria para arrancar a anistia ao chefe do clã. “Já está ruim para ele justificar as tarifas, imagina se o camarada investir contra algo tão precioso, que é a nossa soberania territorial na Amazônia?”

A coluna ouviu 2 coronéis e 12 generais da ativa e da reserva para verificar como eles enxergam o movimento de Trump e os cenários com os quais o País e seus governantes deveriam se preocupar. O raciocínio leva em consideração o fato de que o americano, nos primeiros dias de seu governo, ameaçou o Panamá em razão da presença de Pequim na área do canal. O país cedeu e rompeu os contratos com os chineses. Mesmo assim, Trump voltou a questionar a soberania do Panamá sobre a área.

Agora, o americano critica, entre outros pontos, o desmatamento na Amazônia. Se o Brasil ceder a Trump, seria possível pensar em um cenário em que, no futuro, o americano questionaria a soberania brasileira na região? Embora distante, esse seria um cenário com o qual as autoridades brasileiras deveriam se preocupar? As duas perguntas foram endereçadas pela coluna aos militares.

Um deles não viu motivo de preocupação, acreditando que os EUA não devem escalar a crise, questionando a soberania territorial do Brasil sobre a Amazônia. Seu argumento merece ser esmiuçado. O general recordou que os dois países têm “laços históricos e de amizade”. Para ele, a questão é fundamentalmente “política e ideológica”. Os EUA não querem “perder um aliado de 200 anos, com imenso potencial e riquezas de toda ordem, das quais são beneficiários”.

Ele disse que o Brasil tem uma posição estratégica, controlando rotas comerciais “imprescindíveis aos americanos” e afirmou que o desejo de Trump é “enfraquecer o Brics e a esquerda latino-americana”, além de criar um contraste com a justiça brasileira. Por fim, lembrou que, para ter acesso às matérias-primas, bastaria a Washington ter aliados políticos e apoiar uma mudança de poder no Brasil. “É mais barato.”

O general acredita no pragmatismo político americano. É possível, como lembrou, que queiram enfraquecer a COP-30, mas, se esse era o objetivo, por qual razão o governo Trump colocou o desmatamento na Amazônia como um dos fatores pelos quais o Brasil será investigado com base na “Seção 301” da Lei Abrangente de Comércio e Competitividade Americana?

A disputa geopolítica com a China pode estar no centro do raciocínio dos americanos. Ainda assim seria possível a países como o Brasil esquecer o papel do termo “quintal” nesse contexto? Ele estabelece uma dupla dimensão sobre as recentes sanções impostas pelos EUA à economia brasileira e aos ministros do STF e a Paulo Gonet.

Se é verdade que a transformação dos Brics em instrumento de oposição aos EUA e a tentativa de enfraquecer a esquerda na região podem estar por trás da ação em favor da família Bolsonaro, não se deve perder de vista que os EUA não procuram líderes políticos que sejam parceiros idôneos à frente de governos da região. Antes, a administração Trump busca “caseiros” para o seu quintal.

A maioria dos demais militares consultados classificou uma disputa sobre a Amazônia como um “cenário distante”, mas a ser considerado. Todos lembraram que, no passado, autoridades europeias e americanas fizeram manifestações envolvendo a soberania sobre a Amazônia.

Um dos entrevistados resumiu: “as grandes potências nunca deixaram ou deixarão de cobiçar a Amazônia brasileira”. Por isso, ele não se surpreenderia se, em um contexto de maior tensão com o Brasil, os EUA “partissem para tal pressão em prol da Amazônia”.

De toda forma, há um consenso entre os militares: é preciso que o Brasil mantenha um “olhar cuidadoso sobre a região”. Não só por causa de pretensões estrangeiras, mas também em razão das ameaças do regime de Nicolás Maduro, na Venezuela. Entre 2023 e 2024 o País enviou para Roraima blindados e mísseis para dissuadir qualquer aventura do vizinho na região de Essequibo.

A questão pode ser resumida pela contribuição de um dos generais consultados. Ele lembrou que o Exército sempre se posicionou em favor de um maior envolvimento da sociedade brasileira, sobretudo do poder público, com os temas da Amazônia. Trata-se de uma região, cujas carências, não somente relacionadas à segurança e à Defesa – como em Saúde, Educação e saneamento –, contrastando com suas riquezas, demandam há muito mais atenção de governos e, principalmente, investimentos.

Em relação aos últimos acontecimentos, um dos generais acrescentou que o episódio da busca e apreensão na casa de Bolsonaro da última sexta-feira teria sido um “episódio desnecessário”. “Dobrou-se a aposta, dificultando um deal.” Mas foi o único a ver na decisão de Alexandre de Moraes uma escalada no conflito, como foi descrito pelo jornal New York Times.

O caminho para essa escalada, no entanto, seria favorecido pelos “hormônios incontroláveis da geopolítica deste início do século XXI” – na expressão do general Otávio Santana do Rêgo Barros –, que elegeram líderes igualmente de “hormônios incontroláveis”. Por isso, disse outro general, ainda que de concepção difícil, uma operação na Região Amazônica não pode ser descartada, em razão das riquezas que podem atrair interesses externos e justificar essa cartada.

Um general disse ter compartilhado a preocupação com a soberania do País – já contrastada por Trump em razão da exigência de que o processo contra Jair Bolsonaro seja jogado no lixo – com seus colegas. “E os idiotas que estão achando bacana, esquecem que estão nos tratando como Nicarágua”. Ou seja, o Brasil estaria recebendo o mesmo tratamento dispensado ao país do ditador Daniel Ortega, que prendeu bispos, padres, ex-colegas e todo tipo de opositor para manter o regime.

É porque Trump age e pensa como um empresário, como lembrou outro general, que o presidente americano não leva em consideração a soberania dos países. E é isso que tornaria plausível um cenário no qual a Amazônia passasse a ser ameaçada. Trata-se, como observou um coronel, algo que era impensável há um ano. Mas os tempos são conturbados, e a razão cedeu espaço aos afetos.

Além de as soberanias nacionais serem contestadas sem nenhuma cerimônia, os organismos internacionais se tornaram incapazes de garantir aos Estados que seus direitos sejam respeitados. O que era inverosímil, prosseguiu o coronel, simplesmente, não pode ser descartado porque, nos dias atuais, “não dá para descartar praticamente nada”. “E isso é o que é impressionante”, desabafou.

A imprevisibilidade de Trump é um cenário que tem de ser levado em conta pelo governo brasileiro. Especialistas militares alertavam há algum tempo que um Brics transformado em grupo de características geopolíticas, de caráter claramente antagônico aos EUA, não nos interessava. Eles acreditavam que esse era um jogo que só podia ser jogado pelos Estados que possuíssem instrumentos de poder que garantissem os seus interesses, o que não era o caso do Brasil.

E concluiu com outra preocupação: “Uma estratégia que eles podem adotar seria fortalecer um vizinho nosso para nos ameaçar, a Argentina, por exemplo”. Infelizmente, as lideranças do País – da oposição e da situação – não parecem enxergar o tamanho do desafio pela frente, calculando tudo em função da parcela do fundo eleitoral que pretendem conquistar em 2026. Tempos difíceis virão.

Foto do autor
Análise por Marcelo Godoy

Repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero.

Esta notícia foi lida 89 vezes!

Autor redacao

Deixe uma Resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios são marcados *

*


Popups Powered By : XYZScripts.com